quinta-feira, 20 de junho de 2013

OS NOVOS CARAS PINTADAS

   
   Quando o povo saiu às ruas em 1992 para exigir o impedimento do ex-presidente Fernando Collor, no início da democracia brasileira, o Brasil passou por uma etapa de transformação. A Constituição da República Federativa do Brasil ainda era uma criança, com apenas quatro anos de promulgação. Os jovens que apinharam a praça dos três poderes, em Brasília, sede do poder executivo, ficaram conhecidos como "os caras-pintadas". Eles representavam, naquele momento, a sede de transformação de toda uma nação, que não aceitava ter o seu representante máximo envolvido em esquemas de corrupção. Após investigações que envolveram várias pessoas, comprovando muitas falcatruas feitas junto ao poder, o presidente Collor renunciou, deixando no poder o seu sucessor legal, o vice-presidente Itamar Franco.
   Mais de vinte anos se passaram desde lá. Estamos, mais do que nunca, na era da informação e da liberdade. As pessoas mal nascem e já estão com suas fotos divulgadas para o mundo todo. As várias classes estão batalhando para conquistar seus direitos de igualdade. As pessoas estão sedentas de muitas coisas. Muitas delas nem sabem de que sentem falta. Mas sabem que precisam de algo, então buscam várias coisas na tentativa de encontrar aquilo que lhes fará sentirem-se plenas em algum sentido.
   O tempo hoje é de outra revolução, tal qual aquela de 1992. Hoje, as pessoas vão às ruas manifestar seu repúdio contra várias questões, dentre elas um aumento injusto no valor das passagens do transporte coletivo. E manifestações são planejadas sabendo que haverá confronto com a segurança policial. Portanto, um pouco de medo foi deixado de lado e as mangas foram arregaçadas para tomar as ruas e protestarem, não só contra esse quesito do orçamento doméstico. Há muito mais do que os vinte centavos tão falados nas bocas dos novos caras-pintadas. Há muito de insatisfação com a impunidade. Há muito de ver as notícias sangrentas serem pintadas nos jornais diariamente e não se poder fazer nada de imediato. Há muito da insatisfação de ver a classe dominante governar o país da forma mais escancarada e injusta possível. Há muito de suor não reconhecido ao tomar um ônibus inseguro, lotado e com motoristas irresponsáveis diariamente. Há muito de cansaço acumulado de ter que levantar às quatro da manhã para cruzar uma capital e começar no serviço às sete da manhã, sacolejando e ouvindo música no celular para tentar cochilar mais um pouco e suprir um pouquinho do cansaço da noite mal dormida. Há muito de tentar encurtar a semana para que a sexta-feira chegue logo e traga consigo o fim de semana para descansar. Há muito de anos, décadas de subserviência acumulada, apenas assistindo a massa dizendo amém aos desmandos desta "democracia" tão falada. Há muito de pessoas engasgadas com os discursos de "vossa excelência", postados em pleno púlpito das casas de leis no Brasil, enquanto seus parlamentares fazem suas vidas e de suas famílias às custas do enriquecimento mais do que ilícito, na cara mais deslavada possível. Há muito mais do que os vinte centavos.
   O tempo hoje é de ir às ruas, de sair do seu cantinho cômodo e indiferente. É tempo de se revoltar de forma pacífica! É tempo de abrir a boca, de falar aos alto-falantes, em alto e bom som, que queremos mudança! Que não aceitamos mais um país medíocre, publicando cores lindas e maravilhosas aos quatro cantos do mundo, tentando convencer as demais nações de que o Brasil é a sexta economia do mundo, enquanto que as necessidades básicas, tais como saúde, educação e segurança são aviltadas da população, da forma mais grosseira e patente possível. Tentam vender o seu peixe, a fim de que seus clãs possam permanecer no poder por mais algumas gerações. Sim, é tempo de discordar frontalmente dos coronéis, dos capitães-do-mato do poder, que ainda governam o país, seja de forma legislativa direta ou indireta, influenciando as pautas, as medidas provisórias e demais atitudes tomadas nas três esferas do poder nacional.
   Senhoras e senhores, o poder corporativo é que dá as cartas nas decisões que alavancam a máquina administrativa brasileira. Os políticos representam, não os interesses do povo, mas os dos grandes empresários diretamente e, indiretamente, os seus próprios, essa é a grande verdade. A Constituição Federal reza que o poder emana do povo e é exercido pelos seus representantes eleitos. Sim, isso é verdade, na teoria, pelo fato de que a conjuntura econômica, cultural, financeira e política do país está saturada de injustiças e calúnias há séculos. Portanto, apenas eleger um cidadão que se pensa poder representar os interesses do povo não garante o pleno exercício da democracia. Para que esse direito seja pleno, este representante precisa ter o mesmo direito, na prática, de representação no parlamento, o que, definitivamente, não acontece. Qualquer deputado ou senador eleito democraticamente pelo povo que tiver as melhores intenções não conseguirá promover suas ideias e projetos, por mais justos, dignos e honestos que sejam, a menos que ele passe a integrar algum grupo político que trabalha corporativamente em favor de seus próprios interesses, em sua maioria, escusos. Caso um parlamentar tente fazer um trabalho de formiguinha, ou de uma andorinha, terá seus dias fadados a isolar-se nos cantos do Congresso Nacional ou de ter seu nome repudiado e denegrido a plenos pulmões no plenário, através de falácias e injúrias narradas pelas mais eloquentes gargantas treinadas para ludibriar a quem o possa ser. Portanto, as belas leis estampadas nos brilhantes artigos formulados pelos constituintes estão muito longe de se tornarem prática real em nosso país.
   As manifestações recentes feitas em várias cidades brasileiras e, também, por alguns países afora em apoio aos brasileiros revelam uma coisa. Elas mostram que o povo está com vontade de protestar. A ideia pode ter começado com um pequeno grupo, pode ter tido infiltrações de baderneiros, pode ter sofrido repúdio dos governantes através da força policial de forma injusta, pode ter sido noticiada negativa, parcial e tendenciosamente pela mídia diversa, pode não ter sido bem vista por muitas pessoas inicialmente. Porém, uma coisa é inegável: quando a massa popular se reúne por algum motivo comum, ela provoca algo excelente para os representantes do poder. Ela faz os governantes mudarem tudo o que estão fazendo e repensarem seus projetos. Os protestos fizeram os governadores e prefeitos voltarem atrás nos aumentos dos valores de passagens de transporte público. Fizeram o governo federal reduzir impostos que incidem diretamente no faturamento desta categoria, a fim de justificar que o preço das passagens pode ser reduzido. Fizeram a popularidade da presidente Dilma cair quase dez pontos em poucos dias.
   O povo precisa aprender a reconhecer a força que tem quando se une em um propósito comum. As urnas são importantes, sim, isso é ponto pacífico! Porém, tão importante quanto votar, é saber cobrar incessantemente as obrigações que nossos representantes tem para conosco! As eleições ocorrem em apenas um dia, mas as cobranças não podem ser tão rápidas, elas tem que acontecer de várias formas. Os cidadãos precisam se informar, precisam conversar sobre os interesses das nações. Os professores precisam discutir temas políticos com seus alunos, além de lecionar apenas suas matérias. As famílias precisam discutir o futuro da nação. As igrejas precisam orar em favor do país e de seus representantes legais. As pessoas de bem precisam deixar de ser indiferentes! Pais, filhos, familiares precisam aprender a comemorar vitórias permanentes conquistadas junto ao poder político, tanto quanto comemoram um gol da seleção brasileira! Precisamos entender que nossa vida não é um jogo de futebol, não é um filme e nem acontece em poucos dias, enquanto a copa do mundo mostra os belos estádios construídos em um padrão Fifa para serem deixados ao léu durante todos os momentos em que não estiverem sendo utilizados.
   Ah, Brasil, acorda! Levanta do berço esplêndido! Solta o brado retumbante, não apenas às margens plácidas como do Ipiranga, mas também nas ruas, nas escolas, nos púlpitos, nos altares e nos palcos da vida! Sê o povo heroico que se canta todas as vezes que ficamos postados, em pé, com a mão estendida, contemplando o pavilhão nacional tremular nos mastros que erguemos, Brasil afora! Eia, brasileiros! Conquistemos nossa real liberdade que, há mais de quinhentos anos, dizemos ter conquistado! Ilha de Vera Cruz, Terra de Santa Cruz, Brasil, mostra a tua cara, sem pintura, sem máscaras, a cara limpa que tens !

Helvécio

Um comentário:

  1. Brasil está vivendo um tempo muito especial, e devemos lutar para que esta oportunidade não seja levada pelo vento.
    A população está indignada com tanta corrupção, impunidade, injustiça, inversão de valores, uma classe política totalmente indiferente às necessidades do país, investimentos em "obras" para as Copas (Confederações e Mundo) e Olimpíadas que beneficiarão tão poucos, com financiamento de BILHÕES para construção de estádios que serão usados por clubes ou grupos econômicos.Muito bom seu texto e como você bem disse:não podemos esquecer da responsabilidade individual(nosso voto). Não posso cobrar aquilo que não pratico, o que não busco, para que o protesto seja coerente.Devemos orar para que as manifestações calibrem nossos lideres e os obriguem a respeitar a nossa constituição federal e realizar aquilo para o qual foram eleitos.Excelente texto!!!

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